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  • Foto do escritorAndré Herzog

Sobre cultura

“Cultura come a estratégia no café-da-manhã.” – Peter Drucker


Por séculos, desde Descartes e Newton, nosso pensamento tem sido predominantemente influenciado pelo racionalismo. Nós temos sido capazes de descobrir as coisas e de estar "no controle". Tendemos a ver nossos corpos e nossas organizações da mesma forma como vemos máquinas – consistindo em partes bem definidas, com papéis claros e que trabalham para alcançar resultados previsíveis.

O mundo é, no entanto, um grande sistema vivo. Assim também são os seres humanos e as organizações que criamos. Não somos máquinas e nem tampouco engrenagens, mas participantes ativos no sistema. Nossas ações e interações influenciam o sistema a todo tempo, de forma única. Da mesma forma, somos influenciados a todo momento pelas demais pessoas, pelas dinâmicas que nascem de suas interações e pela cultura da qual fazemos parte.

Assim, tão importante quanto entender e desenvolver as pessoas que compõe um sistema, é entender as dinâmicas e relações entre elas e como a cultura presente transforma e é transformada nesse movimento de troca e influência constante.

Quando falamos de cultura, podemos pensar em nosso país, estado, cidade, em nossas comunidades ou organizações. Em todos os casos, cultura é aquilo que orienta nossos comportamentos e nossas ações. É aquilo que determina porque agimos de uma forma em detrimento de outra, porque tomamos a decisão A em vez de B e o que valorizamos e punimos, explícita ou implicitamente.

Culturas são moldadas pelas pessoas e suas relações. E, analogamente, culturas moldam as pessoas e suas relações. É um sistema que se retroalimenta. As primeiras pessoas que se juntam para formar um grupo estabelecem uma cultura – conscientemente ou não –, que, a partir daí, molda o comportamento das pessoas que chegam depois. Estas, por sua vez, também influenciam em como a cultura se transforma com o tempo, de forma consciente ou não. É um movimento de troca constante, embora lento e, por vezes, sutil.

Quando falamos em transformação cultural dentro de organizações, é a essa complexidade que nos referimos. É com esse emaranhado de causas e efeitos que se retroalimentam que precisamos lidar quando pensamos em mudar, de forma consciente e intencional, uma cultura estabelecida. A pergunta que se coloca então é: Como fazê-lo?

Acredito que a melhor forma de lidar com problemas complexos como este é mudando as conversas e envolvendo mais pessoas nestas. Explico.

Um sistema complexo e todas suas relações não podem ser bem compreendidos por uma só pessoa, uma vez que existem variáveis e interações demais para tal. Apenas com a participação de diferentes atores desse sistema é que podemos compreendê-lo melhor. É sobre juntar várias peças para enxergar a imagem de um quebra-cabeça.

Não existem respostas simples para problemas complexos. Assim, questões complexas não se resolvem com soluções que já funcionaram no passado. Os especialistas não podem nos salvar dessa enrascada, apenas contribuir como parte do sistema na busca das melhores soluções possíveis. É a partir do encontro de conhecimentos e de pontos de vista complementares que podemos compreender e endereçar questão complexas. É preciso, portanto, ter mais e melhores conversas, com pessoas que veem coisas que os demais não veem.

É através de conversas que construímos relacionamentos fortes que permitem uma colaboração real, necessários para que possamos tomar as melhores decisões possíveis para lidar com problemas complexos. É a partir da junção das diferentes perspectivas que conseguimos compreender a complexidade existente, ou ao menos parte dela. É através de conversas que desenvolvemos nossos pensamentos e criamos novos significados coletivos.

Isso é particularmente importante nessa problemática porque a cultura muitas vezes se manifesta de forma inconsciente, sendo percebida, mas não racionalizada. Precisamos conversar para que possamos fazer perguntas que revelem e desafiem pressupostos estabelecidos, trazendo à tona o que está no subconsciente coletivo. A cultura se revela através de histórias de como ela se manifesta. Parte fundamental do processo é, portanto, sair do piloto automático e cultivar uma qualidade de presença que traz intenção e consciência à transformação pretendida.

Embora esse processo seja sobre mudar as conversas, e não as pessoas, ele não é simples e tampouco fácil. Não pense que será um passeio no parque, porque não será. O medo do desconhecido faz com que as pessoas se apeguem ao que é conhecido, ainda que não estejam plenamente satisfeitas com ele. Elas se tornam avessas a mudanças e sucumbem ao medo de perder que tira a vontade de ganhar, como já dizia Vanderlei Luxemburgo, ainda que em um contexto completamente diferente.

Acredito, assim, que a melhor maneira de liderar um processo como esse seja criando e sustentando espaços seguros, onde as pessoas possam conversar. É preciso criar confiança e empatia, fortalecer as relações e trazer para o consciente coletivo as questões fundamentais que precisam ser conversadas e transformadas.

Apesar de potencialmente tortuoso, esse processo também pode ser terapêutico e transformador. Capacidade conversacional é uma prática e, como tal, pode ser desenvolvida com o tempo. As conversas tendem a se tornar mais significativas conforme nos tornamos mais hábeis nessa prática.

Transformações culturais são graduais e de caráter predominantemente intangível. É inerentemente um processo de desenvolvimento, que tem a ver com o “ser” da empresa. Infelizmente esse processo não costuma receber a mesma atenção que as estratégias para maximizar o crescimento, também conhecido como o “ter”. Estou convencido, no entanto, que é preciso buscar um equilíbrio entre essas partes, até porque, como diria Peter Drucker, “cultura come a estratégia no café-da-manhã”.


* Este texto foi inspirado em conversas e reflexões que tive nas últimas semanas, em particular no Webinar “Transformar cultura através de conversas”, organizado pela CoCriar, e no workshop “Liderança Facilitadora: como navegar em um mundo complexo”, oferecido por Rodrigo Goecks, sócio da ADIGO Desenvolvimento, na IAF Conferência das Américas.

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